A carta...
Querido amigo,
Li a tua carta mais uma vez. Perco-me nas tuas palavras e encontro-me nas tuas palavras , leio-as mais e mais uma vez e não lhes sei ler o sentido. Não importa o sentido que têm as palavras que me escreves porque tu és as palavras que eu leio. Só aqui nós existimos, nas palavras onde te inventas para mim, onde me invento para ti, tão reais como não existirmos. Escrevo-te e sei que estas são as palavras certas para ti. Ainda bem que vais estar sempre por aí para me dares o pouco que sabes, tudo o que me interessa saber é que vais estar sempre por aí.
Sabes?, eu acho fascinante certas coisas que me dizes, a forma como as escreves é a incerteza com que as leio e é isso que eu acho fascinante. No entanto, tu só existes nas palavras onde me inventas para ti. Eu fico sempre apaixonada pelas palavras que me escreves, tu esqueces sempre tudo o que me escreves mas é aí que te invento para mim.
Ouço-te falar baixinho ao meu ouvido, sussurras-me tudo aquilo que não quero entender, tudo aquilo que não posso entender. Tu agora não sabes o que é o amor, o amor é tudo o que me disseste naquele exacto momento e tu vais saber sempre o que foi o amor naquele exacto momento. Mas tu nunca me vais dizer o que é o amor, eu sei disso. Nós só existimos aqui, nestas palavras que te escrevo.
Surpreendi-te? Tu também me surpreendes. Eu não sabia que te sabia tão bem, eu apenas sabia que tinhas um outro sítio onde existias, o único sítio onde realmente existes sem seres essas palavras onde te inventas, onde me inventas para ti. Fico feliz por isso.
Também eu existo noutro lugar que não aqui, longe de todos os sítios onde me poderias amar, longe de tudo aquilo que não posso ser para ti. Longe daqui, o único sítio onde posso estar apaixonada por ti, exactamente no sítio onde não posso estar apaixonada por ti. Isto sim, é irónico.
Escrevo-te e sinto-te olhar-me entre as palavras. Eu sei que tu me vês entre as palavras. O que eu queria dizer-te não pode ser escrito, não pode ser lido, não pode ser entendido. Olhas-me entre as palavras mas eu só existo nas palavras e o que eu queria dizer-te não pode ser escrito. Só aqui nós existimos, neste acaso que um dia nos juntou e nos separa. Aqui, onde agora me despeço de ti, onde espero por ti.
in: http://vozes.blogs.sapo.pt/arquivo/104715.html
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